A concepção do corpo
proposta por Tomás de Aquino responde com coerência às dificuldades teológicas
presentes no seu tempo, ou seja, a certa tendência platonizante que via a
verdadeira essência do homem somente na alma, no corpo via uma condição
degradada de prisão; e também a certa tendência de conceber a união de alma e
corpo como sendo acidental. Estas concepções eram sustentadas, também com certo
equilíbrio, por muitos teólogos contemporâneos de Tomás, mas frequentemente
degeneravam em concepções totalmente desequilibradas, nas quais o corpo e toda
a atividade corporal eram consideradas como negativas, malignas, que deviam ser
reprimidas. Por exemplo, a heresia cátara (cátaro significa “puro”) buscava na
vida uma possível pureza angelical, condenando até mesmo o Matrimônio.
Tomás de Aquino
responde com grande coerência não só às degenerações heréticas, mas também às
importâncias teológicas espirituais, inspirando-se na filosofia de Aristóteles,
mas renovando-a profundamente e vivificando-a com a visão superior da
Revelação.
A concepção tomasiana
do homem, fortemente unitária, baseia-se em uma sólida reflexão nacional e
sobre uma profunda meditação cristã. Enquanto solidamente fundada, tal
concepção é capaz de responder também às dificuldades atuais; na nossa
contemporaneidade, de um lado se respira excessivo espiritualismo, de outro
lado se respira temerário materialismo; e em geral se é incapaz de conceber a
profunda unidade de alma e corpo e, consequentemente, a profunda dignidade do
corpo. Recordemos, de fato, que a relevância moral da corporeidade é
diretamente proporcional ao reconhecimento da sua importância.
Desde o seu opúsculo
juvenil De ente et essentia, Tomás de Aquino toma logo uma decisiva posição. A
essência do homem está na composição de alma e corpo. O homem é a alma e corpo.
Certamente a alma, enquanto forma substancial, enquanto ato primeiro do corpo,
enquanto racional e espiritual, possui prevalência ontológica e valorativa
sobre o corpo, mas o corpo é parte substancial e essencial da pessoa humana.
A alma, sozinha não
pode ser dita “pessoa” (Summa Theologiae, I, q. 29, aq. 1, ad 5). O ser humano
é proposto como exemplo de substância composta: não se pode dizer que o corpo
sozinho seja a sua essência e nem mesmo que a alma sozinha o seja.
O que é, portanto, o
corpo? O corpo é uma realidade unitária, um composto material tornado “uno”
pelo ato da alma, que o faz corpo vivo e sensível, animado. Tomás de Aquino
escreve: “enquanto forma espiritual a alma dispõe de um próprio ato de ser, e
enquanto forma do corpo, comunica o seu ato de ser” (Contra Gentiles, II, q.
68).
A união de alma e corpo
é natural, não é contra a natureza da alma, antes “é natural à alma ser unida
ao corpo humano” (De an., a. 8). A pessoa humana, como composição de alma e
corpo, é extremamente harmoniosa: “a disposição do corpo ao qual é unida a alma
racional deve ser um complexo muito harmonioso” (De an., art 8).
O corpo é uma realidade
unitária; as várias partes e as várias atividades funcionam juntas e com
coordenação porque o corpo é animado por uma só alma, que dá vida, estrutura,
movimento, atividade. A unidade do corpo exclui que ele seja um agregado de
partes, antes as partes não têm significado se separadas do corpo. Uma mão é
uma mão verdadeira somente se está unida ao corpo, diversamente, é um pedaço de
carne incapaz de agir, destinado a corromper-se, e não pode nem mesmo ser dita “mão”.
Recordemos que a imagem
da unidade do organismo, enquanto unidade complexa animada por uma única vida é
frequente e importante – por exemplo, na teologia paulina. O corpo não é, portanto,
intrinsecamente negativo, nem está em oposição ou em contraste à alma. Escreve,
de fato, com muita clareza Tomás de Aquino: “Se o corpo pesa a alma, isto não
acontece em força da sua natureza, mas porque se corrompe” (De pot., q. 3, a.
10, ad 7).
A importância da
unidade de alma e corpo resulta confirmada e exaltada pela Revelação do
mistério da Ressurreição dos corpos. Trata-se de um mistério inatingível para a
razão humana, e todavia responde a uma expectativa da razão. Escreve Tomás de
Aquino: “Vimos que as almas dos corpos são imortais; portanto, permanecem
separadas dos corpos depois da morte. Mas sabemos também que a alma tem a
tendência natural a ficar com o corpo; por isto, o estar separada dele é
contrário à sua natureza. Ora, nada que é contrário à natureza. Ora, nada que é
contrário à natureza pode durar em perpétuo; portanto, a alma não permanecerá
para sempre dividida do corpo. Ela, de fato, é imortal, e por esta prerrogativa
deverá um dia reunir-se ao seu corpo” (Contra Gentiles, IV, q. 79).
Fonte: Revista Ecclesia Dez 2012/Jan 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário