segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O CORPO NO PENSAMENTO DE SÃO TOMÁS DE AQUINO


A concepção do corpo proposta por Tomás de Aquino responde com coerência às dificuldades teológicas presentes no seu tempo, ou seja, a certa tendência platonizante que via a verdadeira essência do homem somente na alma, no corpo via uma condição degradada de prisão; e também a certa tendência de conceber a união de alma e corpo como sendo acidental. Estas concepções eram sustentadas, também com certo equilíbrio, por muitos teólogos contemporâneos de Tomás, mas frequentemente degeneravam em concepções totalmente desequilibradas, nas quais o corpo e toda a atividade corporal eram consideradas como negativas, malignas, que deviam ser reprimidas. Por exemplo, a heresia cátara (cátaro significa “puro”) buscava na vida uma possível pureza angelical, condenando até mesmo o Matrimônio.
Tomás de Aquino responde com grande coerência não só às degenerações heréticas, mas também às importâncias teológicas espirituais, inspirando-se na filosofia de Aristóteles, mas renovando-a profundamente e vivificando-a com a visão superior da Revelação.
A concepção tomasiana do homem, fortemente unitária, baseia-se em uma sólida reflexão nacional e sobre uma profunda meditação cristã. Enquanto solidamente fundada, tal concepção é capaz de responder também às dificuldades atuais; na nossa contemporaneidade, de um lado se respira excessivo espiritualismo, de outro lado se respira temerário materialismo; e em geral se é incapaz de conceber a profunda unidade de alma e corpo e, consequentemente, a profunda dignidade do corpo. Recordemos, de fato, que a relevância moral da corporeidade é diretamente proporcional ao reconhecimento da sua importância.
Desde o seu opúsculo juvenil De ente et essentia, Tomás de Aquino toma logo uma decisiva posição. A essência do homem está na composição de alma e corpo. O homem é a alma e corpo. Certamente a alma, enquanto forma substancial, enquanto ato primeiro do corpo, enquanto racional e espiritual, possui prevalência ontológica e valorativa sobre o corpo, mas o corpo é parte substancial e essencial da pessoa humana.
A alma, sozinha não pode ser dita “pessoa” (Summa Theologiae, I, q. 29, aq. 1, ad 5). O ser humano é proposto como exemplo de substância composta: não se pode dizer que o corpo sozinho seja a sua essência e nem mesmo que a alma sozinha o seja.
O que é, portanto, o corpo? O corpo é uma realidade unitária, um composto material tornado “uno” pelo ato da alma, que o faz corpo vivo e sensível, animado. Tomás de Aquino escreve: “enquanto forma espiritual a alma dispõe de um próprio ato de ser, e enquanto forma do corpo, comunica o seu ato de ser” (Contra Gentiles, II, q. 68).
A união de alma e corpo é natural, não é contra a natureza da alma, antes “é natural à alma ser unida ao corpo humano” (De an., a. 8). A pessoa humana, como composição de alma e corpo, é extremamente harmoniosa: “a disposição do corpo ao qual é unida a alma racional deve ser um complexo muito harmonioso” (De an., art 8).
O corpo é uma realidade unitária; as várias partes e as várias atividades funcionam juntas e com coordenação porque o corpo é animado por uma só alma, que dá vida, estrutura, movimento, atividade. A unidade do corpo exclui que ele seja um agregado de partes, antes as partes não têm significado se separadas do corpo. Uma mão é uma mão verdadeira somente se está unida ao corpo, diversamente, é um pedaço de carne incapaz de agir, destinado a corromper-se, e não pode nem mesmo ser dita “mão”.
Recordemos que a imagem da unidade do organismo, enquanto unidade complexa animada por uma única vida é frequente e importante – por exemplo, na teologia paulina. O corpo não é, portanto, intrinsecamente negativo, nem está em oposição ou em contraste à alma. Escreve, de fato, com muita clareza Tomás de Aquino: “Se o corpo pesa a alma, isto não acontece em força da sua natureza, mas porque se corrompe” (De pot., q. 3, a. 10, ad 7).
A importância da unidade de alma e corpo resulta confirmada e exaltada pela Revelação do mistério da Ressurreição dos corpos. Trata-se de um mistério inatingível para a razão humana, e todavia responde a uma expectativa da razão. Escreve Tomás de Aquino: “Vimos que as almas dos corpos são imortais; portanto, permanecem separadas dos corpos depois da morte. Mas sabemos também que a alma tem a tendência natural a ficar com o corpo; por isto, o estar separada dele é contrário à sua natureza. Ora, nada que é contrário à natureza. Ora, nada que é contrário à natureza pode durar em perpétuo; portanto, a alma não permanecerá para sempre dividida do corpo. Ela, de fato, é imortal, e por esta prerrogativa deverá um dia reunir-se ao seu corpo” (Contra Gentiles, IV, q. 79).

Fonte:   Revista Ecclesia Dez 2012/Jan 2013

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